sábado, 21 de maio de 2011

A filosofia na cultura brasileira

O objetivo do estudo apresentado por Severino em A filosofia contemporânea no Brasil: conhecimento, política e educação/ Antônio Joaquim Severino. - Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. é investigar a autonomia e autenticidade da reflexão filosófica no ambiente cultural brasileiro contrapondo-se a aparente dependência a modelos estrangeiros, tendo como base o problema político-educacional. E, consequentemente, a hipótese de que a articulação entre política e educação esta intimamente ligada à Filosofia.
Capítulo I
A Filosofia se faz presente no senso-comum, de forma implícita, na religião, nas ciências, nas artes, e em si mesma como disciplina independente.
Numa primeira modalidade, pode-se considerá-la como uma elaboração implícita, um dimensionamento quase que espontâneo da consciência humana. Pelo simples fato de exercitarem seu poder de pensar, praticando sua consciência, os homens elaboram formas de reflexão que já têm a ver com a significação de sua própria existência, de seu agir, de seu ambiente natural, de seu contexto natural, de sua história (...). A religião, a arte, a ciência, ao mesmo tempo que constroem o seu saber específico, instauram alguns fundamentos para o mesmo. A coesão e a pertinência de seu saber passam a depender da consistência desses fundamentos. Mas eles nem sempre são assumidos clara e explicitamente pelos homens da religião, da arte e da ciência. No entanto, já é bem mais viável sua explicitação (...). Finalmente, fala-se da presença da filosofia num terceiro patamar: trata-se de uma forma de reflexão sistemática intencionalmente voltada sobre a própria condição humana, no sentido de encontrar, mediante processos epistemológicos específicos, significações conceituais e valorativas capazes de dar conta das indagações que o homem levanta em sua consciência a respeito dos vários aspectos do real. (p.21 a 24)
Quando a questão se volta sobre o sentido do filosofar no contexto social brasileiro, constata-se que a maioria de nossos pensadores desenvolve seus esforços teóricos a partir de modelos filosóficos já constituídos, e que poucos tem a preocupação de se posicionarem quando ao sentido de filosofar, assim aceitam uma temática, uma teoria do filosofar e uma metodologia de reflexão. Porém, essas posições nas últimas décadas passam por um processo de mudança, uma superação paulatina da necessária dependência dos modelos guias. Isso revela um amadurecimento do trabalho filosófico brasileiro. Segundo João Cruz Costa o filosofar no Brasil não se esclarece completamente, visto que não pode se apresentar como pensar nacional, porém não pode escapar às influências nacionais, o sentido das ideias no Brasil é ser instrumento da ação, da ação social e política.
A expressão filosofia brasileira será tomada para designar o processo e o produto da atividade filosófica desenvolvida no contexto cultural da sociedade brasileira, por pensadores que desempenharam seu trabalho teórico nessa sociedade e que assim contribuíram para marcar a expressão filosófica dessa cultura. (p.24 a 27)
A prática da Filosofia no Brasil, enquanto esforço de reflexão sistematizada, recebe influência de quatro tradições; Metafísica, Positivista, Hermenêutica e Dialética. A tradição Metafísica é a mais antiga das tradições do pensamento ocidental sua característica é o essencialismo radical. A Positivista se caracteriza pelo naturalismo radical. A hermenêutica se caracteriza pela tendência subjetivista. E a Dialética se caracteriza pelo esforço de compreender a realidade humana a partir de sua construção sócio-histórica e de sua práxis. É possível ver nesta tradição três tendências; a que dar continuidade à Dialética hegeliana, a que segue a Dialética marxista, e a Dialética negativa, associada à Escola de Frankfurt. (p. 32-33)
Capítulo II
A tradição Metafísica, modo filosófico que tem muita coerência interna enquanto sistema, no Brasil, viveu à sombra da Igreja. Por isso furtou-se ao trabalho de participar do debate filosófico em condições de igualdade com outros modelos. (p.34 a 38). Como um representante significativo de pensadores de inspiração tomista, no Brasil, tem-se Fernando de Arruda Campos que retoma a estruturação lógica da exposição da filosofia tomista que começa com a gnosiologia, reflexão crítica sobre o valor do conhecimento, depois, passa-se a ontologia, reflexão metafísica sobre o ser enquanto perfeição real, ato de existir, então, chega-se aos seres subsistentes: o estudo do homem como ser inteligente e livre, antropologia filosófica; de Deus como ser supremo, teodiceia, e, por fim, a moral. Para Severino a Metafísica tem por objeto o conhecimento do ser enquanto ser, não é objeto da experiência, porém estar fundamentalmente nela como essência. “A Metafísica tem por objeto o conhecimento do ser enquanto tal: o ser que não pode ser objeto de experiência, mas que está entranhado no experimentável, constituindo-lhe a mais íntima essência.” (p. 47)
Capítulo III
A tradição Positivista surge como contraponto à Metafísica, pois se volta para questões naturalistas e cientificistas, sob a influência do Iluminismo. “Enquanto a cosmovisão católica atua em regime de resistência, a visão cientificista vai se impondo cada vez mais e impregnando todos os setores da vida social e cultural do país.” (p. 62). O neopositivismo que emerge no Brasil, por sua vez, é uma tentativa de superação do Positivismo, porém mantendo a validade das premissas epistemológicas positivistas, tem caráter logicista, analítico e epistemológico. O nome mais importante na discussão da ciência é o de Leônidas Hegenberg.
Capitulo IV
O Transpositivismo, tendência filosófica antagônica ao Positivismo e suas conseqüências, insere o aspecto fluido humano na construção do saber científico. Critérios estatísticos como processos experimentação de objetos, ou esquemas lógico-formais não exaurem todo o conhecimento científico, a história é uma parte desse processo de conhecer.
O que caracteriza e especifica esta tendência é o fato de não reduzir a problemática da ciência apenas às questões lógico-epistemológicas, julgando necessário colocar questões também de ordem histórica e de ordem ética e política. A ciência não é vista só sob a perspectiva do logos mas também sob aquela da práxis. (p. 79-80)
O representante mais significativo dessa tendência no Brasil esta presente no pensamento de Hilton Japiassu. O Positivismo em sua análise epistemológica aliena o homem. Não o toma como sujeito e objeto do saber. Trata-o como objeto estático ideal, de um corte epistemológico.
Para que o homem possa ser conhecido naquilo que é, e não como ser de natureza, é preciso que se substituam as relações causais, procuradas pelas ciências, pela pesquisa pelo sentido. Porque é a totalidade do sentido do homem que está em jogo. (p. 97 a 100)
Capítulo V
A fenomenologia surge como um método de apreensão eidética do objeto de estudo. É uma crítica a limitação epistemológica da ciência que reduz o objeto apenas ao nível empírico. Para garantir o conteúdo das coisas e superar o empirismo é necessário acolher o fenômeno como dado à consciência intuitivamente, sendo o fenômeno o objeto e a intuição maneira como este se dar.
Trata-se de acolher o fenômeno que é aquilo que é dado à consciência, o dado enquanto intuído por ela, em sua visão intelectual do objeto. A coisa é o fenômeno. A intuição é a forma de consciência na qual uma coisa se dá originariamente. (p.103 – 104)
Como um dos representantes dessa vertente tem-se o nome de Gerd Borheim.
Capítulo VI
O Existencialismo apresenta-se como um esforço intelectual de busca da imagem de um novo homem, e dessa forma influencia fortemente o pensamento brasileiro, fica patente, assim, que tal tendência volta-se mais sobre aspectos ético-antropológicos que epistemológicos. “Intimamente vinculado à Fenomenologia, distingui-se dela pela preocupação menor com os aspectos lógicos e epistemológicos da filosofia, enfatizando quase que exclusivamente as questões antropológicas.” (p. 127). É uma posição de afirmação da sensibilidade inerente ao homem que deve ser desenvolvida pela reflexão filosófica. “O existencialismo se caracteriza pela sensibilidade ao homem a ser desenvolvida e praticada pela reflexão filosófica” (128). O homem é aquilo que ele mesmo construiu na sua existência, nessa perspectiva a existência precede a essência, pois primeiro é necessário existir, apenas, depois ser de uma ou outra forma. Em suma tem-se a liberdade transfigurada em categoria central da Filosofia existencial, que evidentemente não se constitui como um sistema lógico, antes é mais vivencial, singular e intuitivo.
Mais do que com razão, é preciso contar com a vontade livre, única a nos possibilitar os valores com referência aos quais iremos pautando as nossas ações que só serão boas por terem sido escolhidas por nós e não por corresponderem a valores preestabelecidos. (p. 128)
Lima Vaz é um pensador importante que foi de certa forma, influenciado pelo Existencialismo, em seu trabalho filosófico de sintetizar o humanismo.
Capítulo VII
O Culturalismo é outra importante vertente que se faz presente na reflexão filosófica brasileira. Teve seu início com Tobias Barreto, fundador da Escola de Recife, e atualmente, o representante mais significativo é Miguel Reale. Por razões históricas e teóricas o culturalismo se desenvolveu, sobretudo, na área da filosofia do direito, pois o Culturalismo volta-se sobre o fazer humano, a história como espaço de construção do espírito e, é o direito positivo quem organiza a sociedade no plano político-social. “A temática culturalista é centrada na questão da criação humana, no campo da atividade criadora do espírito, que é a responsável pela história.” (p. 148). O Culturalismo é uma tentativa de superação do determinismo positivista através da restauração da Metafísica entendendo que a história, onde se desenvolve a criação espiritual, é um lugar distinto do mundo natural. A ciência positiva tem o seu valor universal, porém circunscrito em um âmbito delimitado, ela pode descrever o mundo natural, no entanto não pode compreendê-lo. Esse é o erro maior da ciência querer ser válida também para as ciências humanas. “A ciência pode explicar o mundo fenomenal mas não pode compreendê-lo.”(p. 150). A teoria culturalista abrange três grandes domínios; a natureza, lugar dos objetos e fenômenos onde reina a causalidade, ciências explicativa. O pensamento reino da liberdade é o espaço da lógica. E, por último, a cultura, mundo dos objetos culturais, lugar da Filosofia.
Ela se propõe assim desvendar o ser do homem, privilegiando sua atividade, sua criação, a cultura, acervo dos bens objetivados pelo seu espírito. Mas este curso histórico não se dá como processo lógico-racional, como pensava Hegel: é, ao contrário, uma esfera de violência e de força, exigindo do homem investimento na moralidade. (p. 151)
Capítulo VIII
Hegel sistematiza a dialética como, na modernidade, lógica, epistemologia e ontologia. Elabora, assim, um complexo sistema filosófico que reaproxima razão, o real e a história. O real enquanto estático é apenas um momento provisório.
Para ser compreendido integralmente, ele precisa ser visto na totalidade de suas figuras. Portanto, o conhecimento humano para dar conta do real precisa também se dar como processo, apto a acompanhar esse fluxo da realidade. (p.165)
O conhecimento é, dessa forma, um momento e esforço segundo o qual, através e a partir da natureza o real transforma-se continuamente em espírito e toma a forma de consciência. “A cultura humana, enquanto resultado da produção de seu espírito, é espírito objetivado, é concretização histórica do próprio Espírito em busca de sua absolutização.” (p. 166). Marx critica Hegel por sua inversão idealista e retoma a dialética, porém sob uma perspectiva histórica e social, somente. O pensamento não é fruto da produção do real, antes, todo conhecimento é da realidade objetiva. “É preciso, pois, partir da realidade histórica dos homens, abordando-a pelo método histórico e dialético. A realidade dos homens são indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida.” (p. 167). No Brasil a filosofia marxista influenciou diversos pensadores em seus trabalhos teóricos, mas como representante atual na reflexão filosófica brasileira na esteira marxista Severino cita José Arthur Giannotti .
Capítulo IX
A influência da Escola de Frankfurt na filosofia brasileira teve pelo menos três orientações, isso no contexto de uma dialética negativa; uma crítica à razão instrumental. A primeira versão, a contracultural, chega ao Brasil nos fins dos anos 60 como fundamentação teórico-ideológica da movimentação estudantil mundial, torna-se referência explícita no contexto cultural e acadêmico do pensamento filosófico brasileiros. Dessa forma o espírito que a caracterizava era o de uma grande recusa dos valores então vigentes na cultura ocidental. “De repente, toda a herança cultural do projeto iluminista da modernidade, fundada na razão e na ciência, se transformava em força de opressão e de alienação.” (p. 181). Segundo Luis Carlos Maciel , o fenômeno contracultural é uma crítica radical não em termos racionais ou intelectuais, mas em termos existenciais que afetam as pessoas mais que a vida cultural. Foi, assim, assumido por estudantes, intelectuais e jornalistas de esquerda engajados na crítica da política vigente. A segunda orientação vem sob a dominação da indústria cultural, essa influência vem direto do núcleo central da escola, e será assumida no Brasil por sociólogos, comunicólogos e filósofos. O eixo central em questão é a tese de Adorno e Horhkeimer referente à produção cultural em uma sociedade de massas. “Trata-se de uma discussão aprofundada do significado da estética enquanto dimensão política.” (p.183). Deve ser entendida no âmbito de uma filosofia social que critica tanto o capitalismo quanto o socialismo real, pois ambos estão comprometidos com a dominação racional tecno-científica. A história é vista de forma negativa, não leva ao progresso da humanidade, necessariamente, então resta, apenas, a arte como promessa utópica de felicidade não concretizada, mas que aponta a manipulação do lugar- mundo. A terceira orientação é a que retoma e incorpora a dialética negativa, porém, a partir, da perspectiva habermasiana, sendo também a mais recente no Brasil e tem como representante mais importante Sérgio Paulo Rouanet . É uma crítica à instrumentalização da razão, porém não a própria razão em-si mesma, é um esforço por recuperá-la em seu sentido pleno, isto é, uma reavaliação crítica sob uma perspectiva hermenêutica macroscópica com vistas a libertá-la das estruturas que a aprisiona. Segundo Rouanet a sociedade contemporânea esta atravessada por uma profunda crise cultural, que se subdivide em uma tríplice rebelião; contra a razão, a modernidade e contra a ilustração. Para a superação dessa crise se faz necessário o resgate crítica do conceito de razão, de projeto de modernidade e do legado iluminista, tarefa que cabe à reflexão filosófica.
Capítulo X
Atualmente, vem tomando forma, na reflexão filosófica brasileira, uma nova orientação do filosofar; a arqueogenealogia. “Funda-se basicamente numa proposta de se ampliar o território da reflexão filosófica, até então limitado ao universo da razão pura.” (p. 196). As influências formadoras, no âmbito mais filosófico, são Nietzsche e Freud. “Enquanto Nietzsche é redescoberto e assumido, Freud é reavaliado, suas intenções profundas sendo reaproveitadas no contexto de um projeto antropológico mais amplo.” (p.199). Michel Foucault forma o terceiro vértice no triângulo dos formadores dessa tendência. Sua contribuição esta em uma nova prática epistêmica.
Cada cultura se explicaria em função de uma epistéme, ângulo a partir do qual aquela cultura se organiza e ganha seu sentido. Trata-se da representação fundamental, básica, mas que se constitui no nível do inconsciente e que, por sobre qualquer outro tipo de determinação histórica, determina a configuração do mundo da cultura em questão. (p.200)
No Brasil o representante mais importante é Rubem Alves . A filosofia arqueogenealógica é, em última instância, uma busca pelo sentido para o existir humano na trama concreta e imediata do seu modo de ser eminentemente singular no mundo da cultura. “Ao mesmo tempo que manifesta indícios da especificidade humana, da dignidade e do poder especificamente humanos, é o lugar de sua dominação e de seu aviltamento.” (p. 208). Assim, a arqueogenealogia critica os sistemas e mecanismos de opressão do homem e afirma novas formas de sensibilidade para o redimensionamento do existir.
Capítulo XI
O objetivo do último capítulo é explicitar e discutir a questão da presença das dimensões políticas e educacional no discurso filosófico que constitui o tecido da reflexão sistemática brasileira. “Discurso este que procurei retomar, estruturar e descrever nos capítulos anteriores.” (p. 227). Para tanto, as indagações que serão abordadas são as que partem do lugar específico da filosofia, como interrogações a respeito da necessidade do filósofo dar conta, em sua reflexão teórica, de questões político-educacionais. “O envolvimento do filósofo com a problemática da política e da educação é apenas um acidente contingencial de sua trajetória ou uma exigência marcada pela necessidade do próprio filosofar?” (p.227). Severino, afirma que, através dessa pesquisa, é possível constatar que a reflexão filosófica brasileira atual vem ensaiando seus vôos de autonomia, mesmo que não se desvincule das grandes tradições e tendências da filosofia ocidental.
Ainda que sem negar possível filiação e até mesmo múltiplas inspirações, estes autores expressam, em seus textos, um esforço de elaboração mais personalizada de uma reflexão especificamente filosófica (...). Buscam refletir sobre temáticas atuais, ainda que sob a referência de uma determinada perspectiva teórico-metodológica de abordagem. (p. 228)
Severino conclui, porém, afirmando que nos âmbitos cultural e filosófico brasileiros, as temáticas político-educacionais ocupam pouco espaço, o que causa certa perplexidade, pois a filosofia deste seu início na Grécia Antiga preocupa-se com tais temas, nasceu paidéia e politéia. “A reflexão filosófica atual no Brasil não vincula a si a exigência de um desdobramento teórico explícito para a análise e discussão dos problemas relacionados com as esferas da política e da educação.” (p. 243).

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