segunda-feira, 24 de maio de 2010

Formada em Filosofia pela PUC de Campinas, mestra pela Unimep pela Unicamp, a professora Lídia Maria Rodrigo, autora de obras como Aventuras e Desvanturas da Filosofia no Brasil: O Nacionalismo no Pensamento Filosófico (1988) e Maquiavel: Educação e Cidadania (2002), esteve na UFC em ocasião do minicurso Filosofia no Ensino Médio: Metodologia e Práticas de Ensino, evente organizado pelo PIBID Filosofia UFC e efetivado por, além dos nossos colegas, representantes das modalidades e núcleos do Curso de Filosofia: licenciandos, bacharelandos, mestrandos, e também nossos colegas e "irmãs dofício" da Estadual do Ceará. Ocorrido nos dias 26 e 27 de Abril de 2010, os eventos contaram também com uma conferância de encerramento, onde a mesma professora Lídia Rodrigo dissertou sobre "A Revolução Cientifica Moderna e suas Consequências Epistemológicas", além de dar a entrevista a seguir para o NUFIB. Feita através da internet, o NUFIB a publica agora, com perguntas que volitam em torno do tema primeiro do nosso núcleo, a saber, a afirmação de uma filosofia brasileira, e respostas sinceras e coerentes com o que pensa a pesquisadora de São Paulo. Podemos concluir que o tema, embora debatido, ainda tem muito que ser avaliado. Com isso damos voz a Lídia Maria Rodrigo:

NUFIB: Considerando o fato de que muitos pensadores brasileiros afirmam que não existe Filosofia brasileira original, no sentido de uma forma rigorosa e metódica de organizar o pensamento e as idéias, como a senhora se posiciona perante a esta questão de afirmação ou negação de uma Filosofia brasileira?

Lídia:Parece extremamente problemático subordinar a reflexão filosófica a uma nacionalidade, qualquer que ela seja. O saber filosófico, mesmo que elaborado por filósofos que possuem uma nacionalidade, sempre se caracterizou pela universalidade, transcendendo fronteiras nacionais. Assim, para voltar ao início, as reflexões elaboradas pelos gregos sobre a metafísica, a cosmologia, a antropologia, a lógica, etc., tematizaram a experiência e o modo de organizar o pensamento dos homens da cultura ocidental e não dos gregos exclusivamente. Podemos dizer que sua filosofia é adjetivamente grega, mas não substantivamente grega. Do mesmo modo, podemos falar de filosofia adjetivamente brasileira, na medida em que há autores ou pensadores de nacionalidade brasileira, mas não de uma filosofia substantivamente brasileira, isto é mediatizada pela categoria nação, sob pena de descaracterizar completamente o saber filosófico.

NUFIB:Como você analisaria os argumentos que fundamentam as posições de afirmação e negação ao pensar independente brasileiro?

Lídia:A demanda por uma filosofia ligada à realidade nacional tem estado presente nos países latino-americanos há várias décadas. Habitualmente ela vem acompanhada de um questionamento da dependência cultural que esses países vivenciaram, (principalmente com a experiência da colonização, mas também depois dela) e alimenta-se da esperança de criar projetos e obras que apontem para a autonomia cultural e intelectual, como expressão da originalidade e singularidade do modo de ser nacional. Em minha dissertação de Mestrado analisei o momento em que essa reivindicação se manifestou de maneira mais forte no Brasil, na segunda metade da década de 1950 e início da de 1960. Nesse período, no quadro da ideologia nacional-desenvolvimentista – que pretendia romper com a dependência econômica e conquistar a autonomia por meio de um desenvolvimento industrial apoiado, sobretudo, no capital nacional - Álvaro Vieira Pinto formulou a proposta de elaboração de uma filosofia original e autônoma, com base na reflexão sobre a realidade nacional. Os resultados dessa pesquisa me levaram a concluir que a questão da relação entre realidade nacional e produção cultural coloca-se de modo diverso nos diferentes âmbitos da cultura. A realidade nacional encontra uma expressão mais apropriada na literatura, na música popular, no teatro, no cinema. Na filosofia e na ciência não é possível estreitar os vínculos entre conhecimento e realidade nacional, sem cair na ideologização do saber científico e filosófico ou incorrer num nacionalismo epistemológico sem sentido.

NUFIB:Em relação às instituições de ensino superior brasileiras que nos últimos anos demonstram uma preocupação crescente com esse tema (Filosofia brasileira) tanto nas graduações como em programas de pós-graduação, como você considera esse processo importante para pelo menos mitigar a ojeriza que esse tema causa a parte da maioria de nossos pensadores nacionais?

Lídia:A preocupação com esse tema não parece ser tão significativa atualmente. Creio que ela já esteve mais presente no Brasil, na segunda metade dos anos de 1950 até o início da década de 1970. Penso que só se pode anexar o termo “brasileira” à filosofia como adjetivo. A reflexão filosófica de melhor qualidade é constituída de estudos sobre a história da filosofia, produzida por pensadores brasileiros, em geral vinculados às universidades públicas, instituições que estimulam e apóiam a produção intelectual, e agências de pesquisa. De fato, não há no Brasil pensadores que tenham produzido teorias originais ou novos sistemas de pensamento filosófico, assim como não há em muitos outros países, sem que isso precise resultar em qualquer complexo de inferioridade. A esse respeito, a professora Marilena Chauí, sem dúvida um dos nomes mais respeitáveis na área, numa entrevista em que foi chamada de filósofa, fez a correção: “Não sou filósofa, mas historiadora da filosofia”. É preciso levar em conta que não temos uma tradição filosófica antiga e sólida, como muitos países europeus. O cultivo sério e rigoroso da filosofia entre nós é muito recente. Mesmo assim, já contamos com um bom número de estudiosos sérios e competentes, que têm publicado pesquisas significativas no âmbito da história da filosofia.


NUFIB:Quanto ao Núcleo de Filosofia Brasileira e Pensamento Latino-Americano (NUFIB), que surge com a problematização e conseqüentemente, uma investigação acerca se existe, o que é e como se manifesta a Filosofia brasileira e como você julga a importância de grupos como o nosso, nesse sentido de resgatar uma pesquisa acerca desse tema.


Lídia:Toda pesquisa séria é válida e ela costuma ser mais produtiva quando congrega um grupo que possui afinidade intelectual e preocupações comuns. Eu já me coloquei essas questões e dediquei-me à sua pesquisa em dissertação de Mestrado, publicada pela editora Vozes, num livro intitulado “O nacionalismo no pensamento filosófico: aventuras e desventuras da filosofia no Brasil”. Esse trabalho foi muito importante para encontrar respostas que satisfizessem minhas indagações e necessidades intelectuais naquele momento. Espero que o grupo de vocês encontre a mesma satisfação com o trabalho que desenvolve. O importante, como em toda e qualquer pesquisa, é não se apegar a determinadas ideias e teses, mas manter o espírito investigativo sempre aberto para novas possibilidades, inclusive a disposição para acolher ideias que possam vir a contestar nossas hipóteses iniciais.


NUFIB:A partir de quando podemos falar de uma produção filosófica originalmente brasileira,isto é, supondo que há uma? E nesse sentido, qual a contribuição dos nossos colonizadores, desde os jesuítas até a missão que fundou a USP?


Lídia:Nossos colonizadores fizeram da filosofia um instrumento a serviço da catequese religiosa e do projeto de dominação colonial do Estado português. Até meados do século XVIII, o ensino de filosofia no Brasil esteve nas mãos dos padres jesuítas. Essas circunstâncias determinaram os conteúdos e métodos de ensino da filosofia no Brasil colônia. A idéia pedagógica básica defendida pela Companhia de Jesus consistia na reafirmação da tese medieval da subordinação da filosofia à teologia. Tratava-se de uma filosofia conservadora, que refletia o monopólio do pensamento escolástico-jesuítico em Portugal. Ao contrário do que acontecia em outros países europeus, em Portugal a escolástica predominou até meados do século XVIII, privando os intelectuais de um contato com a filosofia moderna. Os jesuítas eram hostis ao pensamento moderno: à Revolução Científica do século XVII, ao racionalismo cartesiano e ao empirismo. Mesmo depois da expulsão dos jesuítas, no século XVIII, o ensino da filosofia no Brasil continuou a ter um caráter religioso, livresco e baseado na mera reprodução de um saber que já vinha sistematizado da Europa. Até o século XX, quando foram criadas as Faculdades de Filosofia , os professores de filosofia eram clérigos, advogados, literatos. Só no século passado começou a haver professores especializados em filosofia, isto é, graduados e/ou licenciados. Foi um processo lento e difícil de formação de pessoas que tivessem condições de produzir estudos sérios e significativos no campo da filosofia. Considerando os obstáculos enfrentados no passado, temos de reconhecer que progredimos muito e hoje desfrutamos de um quadro muito promissor em relação à pratica da filosofia no Brasil.


NUFIB:Que problemas, hoje, podem impedir uma produção filosófica Brasileira? Terá isso ligação com as quase quatro décadas de suplantação da Filosofia no período formador de adolescentes no Brasil?


Lídia:O termo “suplantação” não faz muito sentido na frase. Não será “supressão”, em referência ao período em que a filosofia esteve ausente do ensino médio? De fato, nesse período os estudos, pesquisas, publicações e eventos científicos relacionados à filosofia sofreram uma redução drástica em todo o país. Toda a prática da filosofia foi afetada e não apenas o seu ensino no secundário. Esse fato significou um passo atrás em relação do árduo percurso que essa área do saber vinha trilhando, desde o período colonial. Os obstáculos de toda ordem que tem enfrentado, mostram que a filosofia constitui um campo de estudos pouco valorizado no Brasil do ponto de vista cultural, educacional e acadêmico, o que dificulta um fluxo de produção mais constante.


NUFIB:Que pensadores brasileiros você classificaria de acordo com as posturas assuntiva e afirmativa(classificação de Miró Quesada )e em qual delas você agrupa o círculo intelectual Brasileiro. Cite exemplos.


Lídia:Não tenho condições de responder a essa questão porque não conheço o trabalho desse autor nem as categorias com as quais ele trabalha.



NUFIB: Bom, professora o NUFIB agradece a entrevista gentilmente prestada, e faz saber que muito ela nos enriquece. Como “saideira”, pedimos um pequeno parecer sobre nosso trabalho de pesquisa e nossa tentativa de construção. Obrigado.


Lídia:Não tive a oportunidade de conhecer o trabalho que vocês desenvolvem no Núcleo e, por isso, não posso emitir nenhum parecer sobre ele. Ainda assim, posso dizer que, se esse tema solicita o interesse de vocês, apresenta interrogações e indagações que vocês consideram pertinentes, vale a pena investir seriamente no seu estudo.

Um comentário:

  1. Vc está convidad@ a ler matéria em meu blog sobre como deve ser uma pessoa ideal, conforme Aristóteles e Nietzsche formularam. Como é o ser humano atual comparado com a formulação de cada um dos filósofos? Vc se encaixa nas formulações? Ler em: www.valdecyalves.blogspot.com

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